HISTÓRIA DO CARRO BRASILEIRO
Desde os anos 20, a importação de automóveis era uma rotina bastante conhecida. A Ford Motors Company tinha iniciado a montagem de seus Ford “T”, em São Paulo, em 1919. A General Motors Company fez o mesmo a partir de 1925, com o Chevrolet “Cabeça de Cavalo”. Carro Nacional nessa época, nem mesmo em sonhos.
A partir de 1946, a montagem dos carros importados retomou sua rotina, mas alguma coisa havia mudado. A necessidade de improvisar peças de reposição durante o período da guerra fez com que surgisse uma incipiente indústria de autopeças, o que encorajou aqueles que pretendiam construir o automóvel brasileiro.
Os conformistas diziam que o Brasil jamais seria uma nação industrial porque, pela lei da divisão internacional do trabalho e pelos tratados e acordos dela decorrentes, os países subdesenvolvidos continuariam aprimorando sua especialidade de fornecedores de matérias-primas e os industrializados, desenvolvendo sua especialidade de fornecedores de produtos industrializados.
Com o regime de Licença Prévia, instituído em maio de 1948 e controlado pela Comissão de Exportação e Importação – CEXIM – a indústria teve um pequeno alento para desenvolver-se e melhorar seu equipamento. Contudo, em abril de 1951, devido ao temor de que o conflito na Coréia degenerasse em guerra mundial. Foram novamente abertas as portas a importação e de modo irrestrito, para permitir que o país fizesse estoques estratégicos.
Os empresários que viveram essa fase afirmam que foi um período crucial, uma prova de fogo para o setor de autopeças. As importações indiscriminadas esgotavam nossas reservas cambiais e o balanço de pagamentos estava a ponto de estourar. Em 1952, o Brasil era um país sem estradas e sem transportes.
A 31 de março de 1952, a Comissão de Desenvolvimento Industrial – CDI – criada pelo presidente Getúlio Vargas, instalou a Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis, presidida pelo subchefe da Casa Militar da Presidência da República, o engenheiro naval comandante Lucio Meira. Este fato teve grande importância para os destinos da indústria automobilística nacional.
Advieram, depois, fatos animadores. O Aviso 288, da CEXIM, de 19/08/1952, foi o primeiro ato governamental relativo ao setor, liberando a importação de autopeças, mas limitando o licenciamento a artigos não fabricados no Brasil. Assim, 104 artigos produzidos pela indústria nacional continuaram com sua importação proibida. Outro fato importante foi a aprovação, em 30/10/1952, pelo presidente da república, das conclusões da subcomissão, relativas ao fomento da produção nacional de autopeças e implantação gradativa da indústria automobilística no País. Para convencer os incrédulos e pessimistas, foram organizadas mostras e exposições da indústria de autopeças.
A implantação da indústria automobilística nacional voltou à tona com a posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira na Presidência da República. Lucio Meira, nomeado ministro da Viação e Obras Públicas, passou a chefiar um grupo de trabalho que deveria, no prazo de trinta dias, apresentar um plano para sua execução. Como decorrência, foi criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística – GEIA – pelo Decreto 39.412, de 16/06/1956. Esta data é considerada quase unanimamente o 1º marco histórico da indústria automobilística no Brasil, porque o GEIA realmente viabilizou os esforços, os planos e as iniciativas referentes ao parque automobilístico nacional.
Embora no final de 1956 tenham sido fabricados alguns veículos, a produção efetiva iniciou-se em 1957. Os dados estatísticos omitem a produção de 1956, computando-a no ano seguinte.
Na fase de implantação da indústria automobilística nacional, o GEIA recebeu mais de vinte projetos, dos quais apenas dezessete tiveram aprovação e somente doze foram concretizados: Fábrica Nacional de Motores (caminhões, ônibus e automóveis); Ford Motor do Brasil S/A (caminhões, automóveis, utilitários e tratores); General Motors do Brasil S/A (caminhões e automóveis); International Harvester S/A (caminhões); Mercedes Benz do Brasil S/A (caminhões e ônibus); Scania Vabis do Brasil (caminhões e ônibus); Simca do Brasil (automóveis e camionetas); Toyota do Brasil S/A (utilitários); Vemag S/A ( automóveis, camionetas e utilitários); Volkswagen do Brasil S/A (camionetas, furgões e automóveis); Willys Overland do Brasil (utilitários, camionetas e automóveis) e Karmann Ghia do Brasil (carrocerias de automóveis).
NASCE O CARRO BRASILEIRO
A 15 de novembro de 1957, saía às ruas o primeiro automóvel fabricado no Brasil, com um índice de nacionalização relativamente elevado: tratava-se da perua DKW. Era um carrinho feio, que mais parecia um carro de padeiro. As linhas traseiras quadradas nada tinham a ver com a frente arredondada, herdada dos DKW fabricados na Alemanha, pela Auto-Union. Não havia muitas alternativas quanto à cor da pintura nem do estofamento. Mas a perua andava bem e surpreendia pelo desempenho e economia.
O motor era de dois tempos e três cilindros, com tração dianteira. Apenas 900 cm3 e 40CV. No entanto, sua aceleração e sua velocidade máxima eram razoavelmente boas para a época. O câmbio tinha quatro marchas para a frente e a estabilidade era satisfatória. O consumo de gasolina – que não era levado em conta naqueles tempos de fartura de petróleo – era surpreendentemente baixo. O grande inconveniente era a necessidade de se misturar o óleo à gasolina, no próprio tanque. Além disso, o cheiro exalado pela furgoneta fosse simplesmente horrível.
Na verdade, a perua DKW foi o primeiro carro brasileiro com características de continuidade. Mas, antes dela, deve-se mencionar o aparecimento da Romi-Isetta, chamado carro-bolha, fabricado pelas Indústrias Romi de Tornos por um breve período. Além disso, tanto a Ford como a GM haviam nacionalizado grande parte de seus componentes da linha de montagem. A Willys, logo a seguir, nacionalizou totalmente o seu Jeep Willys.
Em 1959, porém, o automóvel nacional tornou-se uma realidade palpável: ele era visto nas ruas e nas estradas, estava nos concessionários e podia ser adquirido, até mesmo financiado. Neste ano surgiram a perua DKW de linhas renovadas, o sedan DKW, o primeiro Volkswagen 1200, o Simca Chambord, a VW Kombi e o Renault Dauphine.
PRIMEIRA FASE: A simples Cópia
Na verdade, os primeiros anos da indústria automobilística nacional marcaram a fase da cópia, ou seja, os “nossos” carros nada mais eram do que veículos já existentes, fabricados nos seus países de origem, onde geralmente não haviam obtido muito sucesso. Graças à política de incentivos de então, os fabricantes podiam importar seu ferramental sem pagar impostos.
Os DKW eram fabricados pela Vemag, sob licença da Auto-Union da Alemanha. Já tinham dois anos de experiência de Brasil e uma pequena rede de revendedores. Como todos os demais, pagavam royalties para o exterior. A Volkswagen da Alemanha começava a crescer nos quadros de vendas mundiais, a partir de 1948. Acreditou no Brasil e fez aqui sua primeira fábrica fora do país. O besouro 1959 e a Kombi tinham praticamente a mesma mecânica, baseada no pequeno motor de 1200 cm3. Foram, desde o início, um sucesso de vendas.
Os motoristas mais velhos devem se lembrar da propaganda VW na época: apologia do motor refrigerado a ar, das barras de torção. Vale como curiosidade: nos dias de hoje os melhores automóveis são exatamente o oposto.
A França colaborou com dois automóveis: o Simca Chambord e o Renault Dauphine. O primeira era fabricado pela própria Simca, instalada num prédio que anteriormente pertencera à Varam Motores, montadora de automóveis e caminhões Nash. O primeiro Simca Chambord de 1959, era uma cópia do Simca Vedette, fabricado na França desde 1957. Este carro, curiosamente, lembrava um modelo Ford, pois seu projeto originalmente era americano.
O motor, de oito cilindros em “V”, tinha válvulas laterais e assemelhava-se aos antigos motores importados dos Ford 60HP.
O Simca Chambord possuía uma carroceria das mais luxuosas, com acessórios totalmente inúteis no Brasil. Suas linhas eram vistosas e os materiais usados no acabamento também. Mas o carro tinha muitos defeitos; deles, o mais aborrecido era uma embreagem que patinava constantemente. Outros possuidores queixavam-se também de problemas na parte elétrica e, mais tarde, verificou-se que seus motores gastavam muito óleo.
O Renault Dauphine havia sido lançado na Europa em 1957 com a finalidade de combater o VW, cujo sucesso de vendas era esmagador. Estranhamente, porém, era fabricado no Brasil por uma firma americana, a Willys Overland, que fazia também os Jeeps, veículos herdados da Segunda Grande Guerra, cuja sigla era uma corruptela de GP (leia-se Jipe), iniciais de General Purpose Vehicle, ou seja, veículo de uso geral.
Os primeiros Dauphines fizeram sucesso inicial, mas logo começaram a surgir problemas e defeitos, que levaram o povo brasileiro – incorrigível gozador – a chamá-los de “Leite Glória”, porque se “desmanchavam instantaneamente”. Esse mesmo espírito brincalhão batizou os primeiros Simcas de “Belo Antonio”, por causa de um filme exibido na época, cujo protagonista principal, Marcelo Mastroiani, era um homem bonito, requisitado por todas as mulheres, mas que na hora “agá “não funcionava”.
O Dauphine possuía motor de quatro cilindros, quatro tempos, tração traseira, câmbio de três marchas e deslocava apenas 850 cm3.
A fábrica, de modo meio maroto, anunciava que ele era capaz de fazer “até 16km com um litro de gasolina”, o que era uma verdade apenas parcial, pois esse índice só era atingido em condições especialíssimas. E isso, somado à inadequação do projeto às nossas estradas, contribuiu para que o carrinho ficasse logo desacreditado.
1960, Aero-Willys e JK
O ano de 1960 mostrou dois novos produtos ao mercado brasileiro. O primeiro foi o Aero Willys, um carro herdado de um projeto americano que havia sido desativado por insucesso. Lá as versões desse automóvel eram conhecidas como Aero-Ace, Aero-Wing, Bermuda (um cupê duas portas), fabricado pela Willys Overland dos EUA, com os componentes mecânicos dos Jeep Willys.
O ferramental veio ao Brasil e a Willys começou a produzir automóveis (apenas os modelos 4 portas). Eram carros duros, com uma linha arredondada de gosto muito discutível, mas que representavam na época a única opção para quem não quisesse entrar num Simca e precisasse de um automóvel maior que os VW, DKW e Dauphine. Seu motor era bom: seis cilindros em linha, o usado no Jeep (que mais tarde passou a ser usado nas Rurais e nos demais modelos derivados do Jeep, e até mesmo nos Mavericks fabricados pela Ford). Esse motor tinha uma característica incomum: a válvula de admissão situava-se no cabeçote, mas a válvula de escapamento ficava no bloco.
Ainda em 1960 foi lançada a segunda novidade: o JK, em homenagem ao patrono da Indústria Automobilística Nacional, Juscelino Kubitschek. Tratava-se do Alfa Romeu 2000, que havia sido lançado na Itália em 1957, mas que não tinha obtido o mesmo sucesso dos demais Alfas. Por isso, a Fábrica Nacional de Motores, única indústria automotiva de propriedade do governo brasileiro, trouxe todo o ferramental para a construção desse carro e relançou-o aqui, batizado de JK.
Os primeiros JK eram procuradíssimos pelos experts brasileiros. Mas como a fábrica era do governo e a produção muito pequena, era um carro raro de ser visto e muito difícil de ser comprado. Na verdade, para a época, era um supercarro com motor de quatro cilindros em linha, 2000cm3, duplo comando na cabeça, câmbio de cinco marchas e suspensão muito estável, ele era nitidamente superior aos seus concorrentes. Muito veloz, fazia mais de 150km/h reais, enquanto os demais mal se aproximavam dessa marca. Sua mecânica permaneceu praticamente inalterada até 1974, quando surgiu o atual 2300, com sensíveis modificações.
Entretanto, a Fábrica Nacional de Motores, que já montava e fabricava os caminhões FNM sob licença da Alfa Romeo há muito, passava por sucessivas crises administrativas. E a qualidade de seus automóveis se ressentia disso.
Em 1960, ainda, a GM, que já fabricava caminhões e camionetas, lançou uma perua sobre o chassi de sua camioneta menor, batizando-a de Amazona. Era um veículo meio desengonçado, mas com características mecânicas muito boas, especialmente de resistência. Esse veículo usava o motor de 6 cilindros em linha, padrão para todos os caminhões da GM, de 4200 cm3. Um detalhe curioso: esse motor seria usado posteriormente, num carro esportivo brasileiro: o Brasinca Uirapuru.
AS COISAS COMEÇAM A MUDAR
Aqueles que não acreditavam na indústria brasileira de automóveis, naturalmente, aproveitavam esses problemas para atacar os insucessos. E os boatos se espalhavam, exagerando as deficiências dos primeiros automóveis brasileiros.
Como as vendas iam de vento em popa, as fábricas não estavam, a curto prazo, muito preocupadas com isso. Mas o mercado de automóveis é muito sensível, o que levava os fabricantes a terem sempre presente a necessidade de melhorar a qualidade.
Em 1962 houve três lançamentos importantes: o Renault Gordini, o Karmann-Ghia e o Interlagos. O primeiro era basicamente o Dauphine, porém com as modificações introduzidas na Europa por Amedeo Gordini, um famoso preparador. Assim, o carrinho ganhou um câmbio de quatro marchas, um novo comando de válvulas, um novo sistema de alimentação e, embora ainda com apenas 850cm3, passou a ter aquilo que a Willys chamava, na época, de “40 cavalos de emoção”. Realmente, a performance do carrinho melhorou sensivelmente.
A Karmann Ghia usava integralmente a mecânica VW, inclusive a plataforma – chassi – e instalava a carroceria criada pela fábrica Karmann, de Osnabrueck, sob desenho do carroziere Ghia.
O motor, entretanto, continuava sendo o 1200, de 35HP, de maneira que o resultado final era um carro com toda a aparência de um esportivo, mas que não ultrapassava a marca dos 120km/h.
Já o Willys Interlagos era uma versão cabocla do Alpine francês, o primeiro carro nacional a ser construído em série, em fibra de vidro. Havia três versões de motores, que podiam ser instalados no Interlagos: o 850 normal do Gordini, o 904 e o 1000cm3, estes últimos com mais “veneno”. A willys passou a participar de corridas de automóveis, com o veterano Chico Landi e com a grande promessa, Christian “Bino” Heins. Chegou a formalizar essa participação, criando uma equipe Willys oficial, que corria com as Berlinetas Interlagos 1000cm3 e os Gordinis, mais tarde substituídos pelos Renault 1093, mais potentes.
A Vemag, por sua vez, resolveu também mostrar o quanto valiam os seus automóveis, criando a Equipe Vemag oficial, para participação em corridas. Seus DKW branquinhos chegavam a assustar carros de potência muitas vezes superior.
Até a Simca, que andava sempre mais ou menos atrapalhada administrativamente, resolveu criar seu Departamento de Competições, colocando inicialmente seus Chambord na pista e mais tarde os Tufões e até os Emi-Sul.
A Alfa Romeo, da mesma forma, mandava de sua fábrica em Petrópolis seus JK oficiais de corrida. Que ganharam muitas provas de longa duração, como as “24 horas de Interlagos”. Com esse esforço, que, na realidade se traduzia em promoção indireta de vendas, as fábricas começaram, aos poucos, a criar uma opinião pública favorável quanto à qualidade de seus carros. Afinal, o que era bom para as pistas era bom, também, para as ruas.
UM ESFORÇO DE QUALIDADE E RENOVAÇÃO
Até mesmo os renitentes possuidores de carros americanos aos poucos foram passando para os carros nacionais. A princípio timidamente e, depois, de modo ostensivo. O fusquinha deixou de ser uma curiosidade e, mesmo nas mais luxuosas mansões, ele estava presente, ao lado dos carrões importados.
Os velhos carros foram sendo remodelados e melhor adaptados às condições brasileiras. Em 1963, a Willys relançou o Aero, desta vez com uma carroceria inteiramente desenhada aqui, que, mesmo não sendo grande coisa, no conjunto, pelo menos melhorava e atualizava bastante o velho carro.
Nessa mesma época a Simca lançava a Série Andorinha, depois a três Andorinhas e saía às ruas com uma perua de luxo, a Jangada. Logo a seguir, no ano de 1964, a Simca mudava a traseira de seus automóveis e aumentava a cilindrada de seus motores para 2.414 cm3, lançando o carro conhecido como Tufão. Que tinha versões de luxo, como o Presidence e o Rally. Estas versões, aliás, já existiam desde o começo dos Simcas, mas somente com a série Tufão ganharam a confiança do público, porque a maior parte de seus defeitos crônicos havia sido sanada.
O ano de 1964 viu o renascimento de um dos carros mais belos já feitos no Brasil, por sinal, criado por um estilista italiano: Fissore. Com a mecânica DKW-Vemag, este carro se antecipou ao que seria a linha dominante cerca de cinco anos depois. Ironicamente, nessa época o Vemag-Fissore já havia deixado de ser produzido, em razão da sua fábrica ter sido absorvida pela VW. O motorzinho ainda deslocava apenas 1000cm3, porém sua potência havia passado de 50 para 60HP, em razão de melhorias internas: janelas de admissão , escape e transferência e taxa de compressão.
Em 1965, o Aero willys sofrera nova mudança estilística, desta vez na parte traseira, mais comprida. Neste mesmo ano surgiu um carro esportivo feito pela Brasinca, com o motor Chevrolet Brasil de 4200cm3, o Brasinca Uirapuru. Era um automóvel realmente diferente, com linhas personalíssimas e desempenho espetacular para a época.
No final do ano a Simca preparava novos modelos, lançados a partir de 1966: os Emi-Sul. Este nome devia-se ao fato de que o novo motor tinha válvulas na cabeça e câmaras de combustão hemisféricas. Sua potência aumentou sensivelmente, embora a cilindrada permanecesse a mesma. O desempenho destes carros era sensacional e a Simca resolvera participar de uma corrida em estradas na Argentina. Os carros enviados para lá foram muito bem... na saída. Logo, porém, os três participantes quebraram seus virabrequins: a fábrica reforçara a parte superior do motor e esquecera de fazer o mesmo com a inferior.
A seguir, a Simca transforma seus carros em dois modelos, com carrocerias de desenho igual, mas com elementos decorativos diferentes: o Esplanada e o Regente. O primeiro, mais luxuoso, seria uma espécie do velho Simca Rally e o último como o antigo Chambord. Nesta época, inclusive, a Chrysler Corporation assumia o controle mundial da velha Simca e, no Brasil, tomou providências para que os carros existentes fossem melhor produzidos e acabados. Dessa forma, o Esplanada e o Regente tiveram sua qualidade melhorada e a Chrysler, para conquistar mercado, elevou seu prazo de garantia para 32 mil quilômetros, ou um ano de uso.
Em 1966, ainda, a Willys lançava seu modelo Itamaraty, com todos os acessórios de luxo possíveis na época, acoplados numa carroceria de Aero Willys.
Em 1967, o Itamaraty recebeu um motor mais potente, com 3000cm3, ao invés dos antigos 2600. Com o câmbio de 4 marchas introduzido pelo Aero, em 1965, seu desempenho em nada se assemelhava ao do primeiro Aero Willys, de 1960.
A Chrysler sofisticou seus modelos Regente e Esplanada e lançou mais um versão, pretensamente esportiva, que recebeu o nome de GTX, embora tivesse quatro portas. Era o mesmo carro, com câmbio de quatro marchas, com uma pintura cheia de faixa e pneus radiais.
OS NOVOS MODELOS, DE VERDADE
O ano de 1967 marcou uma mudança na mentalidade dos fabricantes de automóveis brasileiros. Após crises sucessivas nas vendas, eles perceberam que o público não era aquele de 1960, constituído de pessoas que aceitavam tudo o que a fábrica dizia, ou criticavam tudo, sem nada analisar. Agora, o comprador era mais exigente e mais informado, sabia dizer não, deixando de comprar.
Entre os carros que tiveram de mudar, lembramos o VW que, desde 1959, usava o mesmo motor de 1200cm3. Em 1967 foi contemplado com o motor de 1300cm3, muito superior ao antigo, o que possibilitou o aparecimento da Kombi e do Karmann-Ghia 1500. Esse mesmo motor permaneceu por muito tempo em todos os veículos da marca, com sua cilindrada aumentada para 1600 e até 1700cm3. Na época, para destacar a melhoria de desempenho, a VW fez o lançamento publicitário da nova linha, equipando os carros de amostra com “rabos de tigre”.
Com o novo motor VW, muitos dos chamados construtores independentes passaram a usar esses componentes mecânicos. Assim, a Puma, que usava DKW, passou a usar VW. E a Gurgel pôde criar seu jipinho.
Surgiram automóveis esportivos como o Lorena e jipinhos da fibra, precursores dos buggies, que tanto sucesso fizeram mais tarde.
Em 1967, surgiu um carro que revolucionou os conceitos de qualidade brasileiros: o Galaxie. Pela primeira vez o Brasil tinha um carro praticamente igual ao que se fazia no País de origem (o modelo lançado aqui em 1967 era o modelo 1966 americano). Seu fabuloso silencio interno e maciez de funcionamento eram completamente desconhecidos, até então, entre nós.
OS FRUTOS DA MUDANÇA
Quando o comprador brasileiro conheceu o Galaxie e viu o que era nível de qualidade começou a se tornar mais exigente com os outros carros brasileiros, em geral. A Ford, por sua vez, assumia o controle da Willys e o confronto entre o super macio Galaxie com o super duro Aero era absolutamente terrível. Isto forçou a saída do projeto “M”. que era da Willys e passou a ser da Ford: nada mais, nada menos do que o Corcel.
Em 1968, portanto, saía às ruas o primeiro Corcel, de quatro portas, que pode ser classificado como o primeiro carro realmente feito no Brasil. Com motor de origem francesa (Renault) dianteiro e com tração dianteira, o Corcel estava destinado a comprimir o VW por custar um pouco mais caro, e oferecer muito mais, em conforto e desempenho. Se isso não aconteceu integralmente, pelo menos mudou os padrões geralmente aceitos pelo comprador brasileiro.
O lançamento do Opala, pela GM, em 1969, ajudou esse processo. Já se podia comprar um automóvel barato, veloz, macio e confortável, feito no Brasil. Com dois modelos de motores, o 4 cilindros de 2500cm3 e o 6 cilindros de 3800cm3, os primeiros Chevrolet Opala 4 portas tinham um desempenho incomum para a época. Feitos por uma fábrica de caminhões, que pela primeira vez no Brasil se propunha a fazer automóveis, sofriam de alguns problemas de acabamento, falta de funcionalidade dos bancos, freios não muito eficientes. Mas de modo geral representaram um passo à frente.
As coisas caminharam com tal rapidez, que muitos já haviam sido abandonados devido ao surgimento de novos modelos. Acontecera assim com os DKW Vemag, quando a fábrica Vemag, incorporada à VW, passou a ser denominada simplesmente de Fábrica II. Assim também aconteceu com os Renault Dauphine, Gordini e Interlagos. E também com o Regente e o Esplanada da Chrysler, que cederam lugar ao Dodge Dart, lançado em 1969. O Itamaraty também não resistiu e o Aero Willys, pouco depois, também foi “enterrado”.
Em 1968 ainda surgiu um novo VW, o modelo 4 portas, embora a fábrica jurasse jamais abandonar o besouro, e ter punido um revendedor que resolveu instalar 4 portas num fusquinha. Esse modelo tinha como intenção enfrentar o Corcel, com o surgimento de uma mecânica conhecida e comprovada, num modelo mais bonito.
AS TENTATIVAS DA VOLKSWAGEN
Partindo do princípio de que sua mecânica excepcional merecia melhor qualidade estilística, a VW iniciou, em 1970, o lançamento de novos carros. Assim, surgiu a Variant, o TL, o Karmann Ghia TC, todos com o novo motor “deitado” de 1600cm3 e dupla carburação. Ainda hoje muita gente pensa que aquele motor era deitado mesmo, quando a única e principal diferença constituía-se na ventoinha, que, ao invés de ficar sobre o bloco, ficava ao lado dele. Esses carros todos tiveram vida mais ou menos efêmera, e a maioria foi abandonada.
Em 1969-1970 a Ford lançou uma porção de derivados do primitivo Corcel, nos modelos Cupê, Luxo, Belina e GT, todos com a mecânica básica francesa e tração dianteira. Apesar dos inconvenientes que isso representava, os carros foram sucesso de vendas.
Em 1971, a Puma lançava seu modelo conversível, além de exportar o modelo básico, sob a sigla de GTB. Aliás, o único modelo conversível feito no Brasil, pois as poucas unidades do Karmann Ghia conversível, de 1970, foram logo abandonadas. Neste ano, surgiu uma versão sensacional do Dodge Dart: o Charger RT, com motor de 215HP e quatro marchas, capaz de fazer 190 km/h. Além do modelo 4 portas, a Chrysler passou a oferecer o cupê Dart, o Charger e o Charger RT.
Ainda nesse ano a FNM lançou o modelo 2150, que era basicamente o antigo JK, com a cilindrada aumentada para 2150cm3 e câmbio no assoalho.
Em 1972 não nasceu nenhum carro novo, na verdadeira acepção da palavra, mas houve a melhoria de alguns modelos. O Opala, por exemplo, teve seu motor aumentado de 3800 para 4100cm3, isto já no fim de 1971, surgindo os modelos de duas portas (cupês), em 1972. A Chrysler lançou um modelo esportivo, mais simples e barato, o Dodge SE Dart (Special Edition).
COMEÇA A REVOLUÇÃO
Todos os fabricantes já sabiam, há tempos, que o carro nacional era considerado bom e que os modelos existentes eram razoáveis. Mas sabiam também que o público queria verdadeiras novidades, ao invés de simples mudanças estilísticas. Assim, começou uma guerra por trás dos bastidores, na qual o consumidor foi beneficiado.
O ano de 1973 pode ser considerado como o ano da revolução, pois surgiram novos modelos, que ficaram por um bom tempo. E os que não chegaram a ser lançados nesse ano e tiveram sua apresentação nos anos seguintes, foram criados nessa época.
O primeiro carro importante a nascer foi o Chevette, da GM, realmente atualizado. Tanto isso é verdade, que sua versão européia surgiu depois da brasileira. Com um motor de 4 cilindros dianteiros, com o comando único na cabeça, ele abriu caminho para as verdadeiras novidades tecnológicas.
A Volkswagen acertou em cheio, pela primeira vez, lançando a Brasília. Com os mesmos componentes tradicionais, ela possuía uma carroceria atualizada, que fez a fábrica retomar seu crescimento em vendas.
De 1973 para 1974 surgiram também o Maverick, que deveria ter sido um sucesso, e o Passat, que foi um sucesso. Além deles, uma nova edição do velho JK, chamada agora de Alfa Romeo 2300. O Maverick teve uma história curiosa: a Ford fez uma pesquisa de opinião pública, para saber, entre carros que ela poderia lançar, qual deles teria a preferência do público. O resultado apontou o Maverick, mas quando o carro foi para os revendedores o público o rejeitou solenemente. Houve quem dissesse que a “pesquisa” havia sido encomendada pela Ford, para lançar o Maverick, já que ele era o único carro, na época, que poderia ser colocado no Brasil com vantagens econômicas... Havia dois motores disponíveis para o Maverick: 6 cilindros (o antigo do Aero, modificado) e o V-8 importado (do Mustang). Mais tarde, a Ford equipara o Maverick com o motor de 4 cilindros, 2300 cm3, feito no Brasil para exportação (usado pelo Ford Pinto americano).
O Passat, realmente, foi um carro que continuou a revolução iniciada com o Chevette: com motor de 4 cilindros, dianteiro, tração dianteira, comando único na cabeça e apenas 1500cm3, ele apresentava desempenho e conforto de carro muito maior, pelos padrões brasileiros da época.
Nessa ocasião, surgiu o Puma Opala, que havia sido anunciado já há algum tempo, mas que somente agora começava a ser realmente produzido. Tratava-se de um Puma, de fibra de vidro, usando componentes mecânicos do Opala 4100.
Dos lançamentos de 1973 vale ressaltar o Dodge 1800, como o de história mais estranha. A Chrysler sabia que precisava entrar no mercado com um carro médio, para aumentar suas vendas. Escolheu o Hillmann Avenger, inglês, de sua subsidiária, e adaptou-o às nossas condições, elevando a cilindrada de 1500 para 1800cm3. Foram feitos os testes mais rigorosos nos protótipos importados, que superaram a todos galhardamente. Quando, entretanto, o carro nacional chegou ao público, tinha tantos defeitos, que quase levou a fábrica à bancarrota. Com muita paciência os homens da Chrysler aceitaram o desafio e, aos poucos, foram acertando o carro. Em 1977 foi feito um relançamento do veículo, agora chamado de Polara, que reconquistou o público perdido. Renascido das próprias cinzas, o Polara talvez seja um dos poucos exemplos de automóvel que conseguiu se recuperar de uma quase falência.
A Caravan foi lançada em 1975, com grande êxito. Faltava, realmente, uma grande perua e de luxo, pois a Kombi – mesmo a mais sofisticada – tem características mais de furgão que de transporte familiar. Nas peruas menores, Variant e Belina, faltava espaço imprescindível para as famílias numerosas.
A Veraneio é a evolução daquela primeira perua Chevrolet, a Amazona, de 1960. De modo que a perua derivada do Opala veio para ficar. Assim, como os Opalas, ela podia ser equipada com o motor de 4 ou de 6 cilindros.
A REVOLUÇÃO DA FIAT
O ano de 1977 caracterizou-se pela introdução do Fiat no mercado brasileiro. Numa época em que a principal característica desejável num automóvel era a economia de combustível (visto as freqüentes crises do petróleo), o Fiat chegou com a promessa de 14 ou mais quilômetros por litro. E impressionou vivamente seus adversários. Estes procuraram fazer carros mais econômicos – e o conseguiram – premidos pela concorrência do Fiat. Resultado: o consumidor brasileiro passou a contar, qualquer que fosse o carro escolhido, com um consumo antes considerado impossível.
E o Fiat trouxe, também, uma série de inovações tecnológicas, que por certo apressaram o lançamento de novos carros.
A VW havia lançado o Passat TS, em 1976, com motor de 1600cm3, que era, também, um dos veículos mais atualizados. Assim o relançamento do Corcel II, totalmente remodelado, não foi uma surpresa. Este carro, surgido em 1968, ganhou, dez anos depois, características tais que pode ser considerado um novo carro. A Alfa Romeo veio fazendo modificações em seu produto básico, o 2300, lançado em 1974, de modo que apresentou o 2300 B e o 2300 TI, em 1977. As modificações inúmeras, foram feitas em boa hora, tornando o carro mais sofisticado, veloz, macio e econômico. Inclusive resolvendo o angustiante problema da direção pesada, do modelo 2300.
A maior surpresa, talvez, tenha sido o lançamento de um híbrido, pela VW: a Variant II. Sua parte dianteira lembra um Passat (suspensão independente McPherson) e a traseira, uma Brasília (motor VW 1600).
O CAMINHÃO BRASILEIRO
Os veículos de carga nacionais têm uma longa história, que começou com os Ford e Chevrolet montados aqui, passando pelo primeiro caminhão fabricado no Brasil em 1951, o FNM. Este, na verdade, era um caminhão horrível, com as partes de lataria completamente onduladas, quase feitas a mão. Mas com uma mecânica Alfa Romeo das boas.
Mais tarde, a Alfa Romeo se impôs no mercado já em Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro. Seus veículos, embora não muito adaptados às condições brasileiras, foram durante um bom período o sustencáculo dos transportes de cargas e passageiros, em muitos lugares distantes do Brasil. O Caminhão Fenemê ficou famoso.
A Mercedes Benz, empresa mundialmente conhecida na área de veículos de carga e passageiros, graças aos esforços de Alfred Jurizdcowsky, instalou-se também no Brasil. Seus primeiros caminhões datam de 1957, com grande percentual importado. Mas, aos poucos, esse caminhão foi se impondo, mercê de inegáveis qualidades e – principalmente – devido ao alto padrão de assistência técnica de que sempre desfrutou.
Novos modelos foram surgindo, inclusive o primeiro ônibus do tipo construção integrada com chassi, denominada monobloco. A atuação da Mercedes popularizou o motor diesel, no transporte pesado, em grande escala.
A Mercedes, que já produzia uma extensa linha de caminhões para os mais variados fins, lança uma curiosidade: o motor de 5 cilindros. Além disso, entrou no terreno dos caminhões leves, com o D-608, dos ônibus de longo percurso, com o O-355 turbinado.
Outra empresa que introduziu novidades no panorama brasileiro dos transportes foi a Scania, com seus caminhões pesadíssimos e chassi para ônibus com suspensão pneumática.
Instalou-se no Brasil a Detroit Diesel, pertencente ao grupo GM. Seus motores, GM Diesel, são de dois tempos e famosos no mundo inteiro. Na época, todos os demais caminhões fabricados no Brasil podiam ser equipados com motores diesel, produzidos não só pela Detroit, como pela MWM e por outras fábricas do setor. A “dieselização” veio atender às necessidades de baixar o custo operacional do transporte de carga no país.
O CARRO ESPORTE NO BRASIL
O brasileiro ama a natureza? Gosta de carro esportivo? Teoricamente, sim. Praticamente, não. Todas as tentativas de se fabricarem realmente esportivos fracassaram ou se arrastaram penosamente.
Quem realmente gosta de um automóvel esporte tem um tipo de vida bem diferente. Além disso, um carro esporte pode não alcançar o valor de revenda de um VW, nem oferecer o conforto de um Galaxie.
Assim, durante muitos anos o Puma foi recusado pelo público. Motivos: entrava água (desconforto) e era difícil de revender. A partir de uma certa data, porém, como ele usava mecânica VW, perceberam que ele não dava problemas. Então, o valor de revenda começou a subir e, hoje, é alto. Pronto: agora todos querem um Puma.
O SP2 da VW foi uma tentativa de industrializar um carro esporte (a Puma trabalhava em bases artesanais). Fracassou, talvez porque a VW não tenha, como a Puma, procurado valorizar o SP2 usado.
A Karmann Ghia fabricou durante um certo tempo e depois parou. A Lorena faliu. Muitas tentativas de pequenas fábricas goraram. Alguns modelos artesanais que utilizavam mecânica VW ficaram no mercado por um tempo (Bianco, Adamo). Hoje praticamente não temos um fabricante de esportivo nacional. Alguns fabricantes de réplicas ainda persistem.
CARROS NACIONAIS:
Enciclopédia do Automóvel
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