FORD NO BRASIL
Em uma reunião na sede da Ford Motor Company, em Detroit, Estados Unidos, Henry Ford e seus assessores decidiram destinar a importância de 25 mil dólares para capital inicial de uma subsidiária na América Latina. A 12 de maio de 1920, o presidente da República do Brasil, Epitácio Pessoa, assinava decreto autorizando a empresa americana a estabelecer-se no país. A situação na época – quando a economia mundial sentia os reflexos da I Guerra – não era nem um pouco convidativa para investimentos internacionais, sobretudo no setor automobilístico. Embora não estivesse envolvido no conflito, o Brasil também sofria suas conseqüências, além de se ressentir da falta de uma infra-estrutura para a montagem de automóveis em série. Mesmo assim, Henry Ford não teve dúvidas em instalar a filial brasileira de sua empresa. Os primeiros anos da Ford do Brasil foram bastante difíceis para os doze funcionários que começaram o trabalho no pequeno escritório montado na rua Florência de Abreu, em São Paulo. No exíguo espaço de cerca de 70m2 montavam-se os Ford modelo T (de 20cv), automóveis que eram construídos nos Estados Unidos desde 1908. O Ford modelo T obteve boa aceitação no mercado brasileiro, pois, além de ser um carro relativamente barato e de baixo custo de manutenção, apresentava algumas significativas novidades em relação a outros automóveis de características semelhantes. Por exemplo, ele era dotado de cabeçote removível, motor com cilindros fundidos numa só peça, volante no lado esquerdo, redução do volante com engrenagem e três pontos de sustentação do motor (o que reduzia a trepidação – muito comum nos carros da época -, proporcionando mais conforto aos passageiros).
O ÊXITO DO TEsse carro, que vendeu mais de 6 mil unidades em seu primeiro ano de fabricação nos Estados Unidos, foi recebido com entusiasmo pelo consumidor brasileiro. Em 1924, as vendas chegavam a 24.450 unidades. O sucesso do automóvel e o conseqüente aumento da produção tornaram insuficientes as instalações localizadas na rua Florência de Abreu. Em franca expansão, a indústria – que executava apenas a montagem dos veículos – investiu alguns milhares de dólares na construção de um prédio próprio na rua Sólon, no bairro do Bom Retiro. Nessa nova sede da Ford continuou a montar seus automóveis, atividade que logo depois passou a abranger também a montagem de tratores e caminhões, cujos componentes eram importados dos Estados Unidos.
OS DOIS “BIGODES”Em 1927 Henry Ford anunciou o final da produção do modelo T e as modificações que se faziam necessárias em suas linhas de montagem para a fabricação de um novo automóvel: o modelo ª Também no Brasil generalizou-se o interesse pelo carro, lançado nos Estados Unidos, em versões que apresentavam doze diferentes tipos de carroceria, com preços variando entre 385 e 570 dólares. O modelo A tinha freios nas quatro rodas, amortecedores, pára-brisa não estraçalhável e potência aumentada para 40cv. Os dois modelos (T e A) montados pela Ford no Brasil dividiram ainda por muito tempo as preferências do consumidor brasileiro, que os identificava como “Ford Bigode”, devido às duas alavancas colocadas sob o volante (uma para aceleração, outra para adiantamento da ignição).
A Ford brasileira chegou ao limiar da II Guerra Mundial com cerca de 1500 funcionários em sua linha de montagem. Iniciou-se então um período de crise que, durante quase uma década, abalou a economia do país, refletindo a depressão econômica que se alastrava por todo o mundo. Várias fábricas fecharam suas portas ou passaram a funcionar com capacidade limitada, o que acabou provocando a dispensa em massa de empregados. A produção de automóveis também entrou em recesso, já que o racionamento mundial de combustíveis, além de outros fatores, reduzira sensivelmente a procura. Técnicos americanos e brasileiros fizeram inúmeras tentativas no sentido de encontrar um combustível ideal para substituir, com razoável eficiência, a gasolina. O resultado desse trabalho foi o veículo a gasogênio, no qual um recipiente contendo gás ocupava todo o espaço do porta-malas. Passado o conflito, o Brasil levou algum tempo para recuperar-se da crise. Nessa fase, muitas estradas foram abertas e, em alguns anos já era possível transportar por terra os automóveis, caminhões e tratores produzidos em São Paulo pela Ford e por outras montadoras que progressivamente foram se instalando na capital paulista. No início da década de 50, o prédio da rua Sólon já não oferecia condições satisfatórias para uma nova ampliação da capacidade produtiva. Decidiu-se pela construção de instalações maiores em um vasto terreno ao lado dos trilhos da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí no bairro do Ipiranga. O ritmo intenso das obras permitiu a inauguração da fábrica alguns meses depois.
O GALAXIE BRASILEIROEm agosto de 1957 a empresa anunciou, depois de obter a aprovação do GEIA – Grupo Executivo da Indústria Automobilística -, a fabricação do Bandeirante, o primeiro caminhão inteiramente nacional, e do primeiro motor V-8 brasileiro. Em 1965 a empresa comemorou a fabricação do 10.000º caminhão Ford brasileiro, anunciando paralelamente o lançamento do Galaxie nacional. O carro apresentado em 1966 ( no V Salão do Automóvel, em São Paulo), reproduziu as linhas do modelo americano do mesmo ano. Esse foi um dos motivos que contribuíram para a criação de uma imagem favorável do Galaxie junto à faixa de compradores acostumados com carros grandes, que finalmente teriam um veículo nacional em condições de igualdade com os importados. Na época de seu lançamento – que se deu oficialmente a 2 de abril de 1967 -, o Galaxie 500, equipado com motor brasileiro de oito cilindros em V, de 4500cm3 e potência de 170cv, já havia se transformado em um grande sucesso de vendas. Seu interior espaçoso – com acomodação para até seis pessoas – apresentava soluções de acabamento até então inéditas no Brasil, visando ao maior conforto do motorista e dos passageiros. Além disso, destacavam-se suas qualidades mecânicas e de estilo. (A maioria delas continuaria em uso por muitos anos, graças a sua eficiência e elegância)
O carro tinha suspensão dianteira dotada de um sistema de lubrificação prévia, para 50 mil quilômetros. A suspensão traseira compunha-se de dois tensores laterais e uma barra transversal que, combinados com molas helicoidais, evitavam o deslocamento longitudinal e transversal do carro, mesmo em curvas fechadas, permitindo conseqüentemente ao veículo rodagem segura e macia. Em novembro de 1968, a Ford expôs no São do Automóvel uma versão mais luxuosa e requintada da linha Galaxie: o LTD (abreviatura de Limited = “produção limitada”). Esse modelo tinha motor com potência aumentada para 190cv a 4400rpm e incorporava outras novidades, como freios de regulagem automática – as sapatas ajustavam-se sozinhas no diâmetro do tambor – ar condicionado e transmissão automática, idêntica à do modelo americano e pela primeira vez usada num carro brasileiro. O LTD diferenciava-se do Galaxie 500 também pela grade dianteira com frisos paralelos horizontais e verticais (formando pequenos quadrados cromados em fundo preto), pelo teto de vinil e por outros refinamentos internos, luxuoso estofamento em tecido ou couro, painéis das portas em imitação de jacarandá, descansa-braço escamoteável no centro do banco traseiro.
O motor de 4800cm3 do LTD – que depois foi incorporado ao Galaxie 500 – tinha cilindros de maior diâmetro, novos anéis e pistões. E ainda um novo sistema de calibração para o carburador e o distribuidor. A transmissão automática, introduzida como equipamento de série, proporcionava o perfeito funcionamento do motor em qualquer marcha, com as mudanças feitas por um leve toque no pedal do acelerador, sem necessidade de embreagem. Esse câmbio permitia ainda o engate manual apenas da primeira e segunda marchas, quando necessário. Em fins de 1970, o Ford LTD recebeu alterações que o tornaram ainda mais sofisticado. Uma versão com janela traseira de menor dimensões e um compasso nas laterais do teto de vinil, além de novas calotas e frisos cromados, recebeu o nome de Landau, por sua semelhança com os cabriolet (landaus) usados antigamente para o transporte de reis e nobres.
LUXO E SEGURANÇADesde o lançamento do Galaxie no Brasil a maior modificação da linha ocorreu em meados de 1972. quando se introduziram profundas alterações de estilo, tanto no Galaxie 500 como no LTD. Ambos foram apresentados com grade dianteira, capô e painel traseiro totalmente redesenhados, numa tentativa não muito bem sucedida de igualá-los aos carros usados pelos artistas de Hollywood na década de 30. A grade do 500 recebeu frisos paralelos horizontais, com a parte central saliente, lembrando radiadores antigos; o LTD, mais refinado, tinha saliência central da grade em frisos verticais cromados e ladeada por placas retangulares pintadas na cor do carro, onde se instalavam as lanternas de sinalização.
Em 1973 os freios a disco – equipamento opcional do LTD – incorporaram-se aos demais modelos em produção normal. Acionados por um mecanismo servoassistido a vácuo, os freios a disco reduziam ao mínimo o esforço do motorista sobre o pedal. Além disso, permitiam mais dissipação do calor provocado pelo atrito, tornando-os mais resistentes ao “fading”. Outro detalhe importante na fabricação do Galaxie 500 e do LTD, desde seu lançamento no mercado, foi a preocupação do fabricante com a segurança. Os dispositivos projetados nos Estados Unidos para atenderem à severa legislação americana eram até então inéditos em automóveis brasileiros. A carroceria possuía um compartimento de passageiros reforçado com frente e traseira facilmente deformáveis para absorver e amortecer os choques, em caso de colisão nas extremidades. Para os impactos laterais, o carro contava com a proteção do chassi perimetral, que proporcionava maior segurança ao compartimento de passageiros. Instalou-se o tanque de gasolina perto do eixo traseiro, também como proteção contra colisões, o que evitava sua ruptura e o conseqüente perigo de incêndios.
A VEZ DO CORCELNo ano de lançamento do Galaxie, a Ford iniciou negociações para a compra de parte das ações da Willys Overland do Brasil, assumindo o controle acionário desta empresa, então deficitária, responsabilizou-se pelo lançamento de um carro cujo projeto a Willys vinha desenvolvendo. Então denominado “projeto M”, o automóvel estava em fase de testes de estrada; a Ford resolveu apresenta-lo como um veículo médio que, não tão caro quanto um carro de luxo, seria confortável para viagens sem ser grande demais para o tráfego urbano.
Esse modelo – o Corcel – foi mostrado ao público pela primeira vez, cercado de grande expectativa, no VI Salão do Automóvel, em São Paulo, em novembro de 1968, depois de oficialmente lançado em 26 de setembro de 1968. Logo no início o automóvel obteve muito êxito, com cerca de 4500 unidades vendidas no primeiro mês de produção e quase 50 mil no primeiro ano. Em sua origem, o Corcel era uma plataforma e um conjunto mecânico elaborado pela Renault francesa, em cooperação com a Willys Overland do Brasil. (Dois anos depois de seu lançamento apareceu na França o Renault R-12, que se originou do mesmo projeto, e que chegou a ser fabricado também na Argentina). Não obstante, o Corcel foi considerado, na época, o mais “nacional” dos automóveis brasileiros, pois o projeto inicial recebeu cerca de novecentas modificações, antes de ser definitivamente aprovado.
Lançado inicialmente na versão quatro portas, o Corcel apresentava características mecânicas inéditas no Brasil, como circuito selado de refrigeração, tração dianteira, carroceria tipo monobloco, motor de quatro cilindros de cinco mancais, 1300cm3 e 68cv, curso das molas de suspensão extremamente longo – para maior conforto dos passageiros -, coluna de direção bipartida – o que protegia o motorista em caso de acidentes -, suspensão e freios que permitiam segurança e estabilidade acima da média, na época. Em seu interior destacavam-se a decoração simples, o bom sistema de ventilação e os bancos anatômicos individuais na frente, revestidos de vinil expandido. O porta-malas era muito espaçoso; e o capô do motor (que, por medida de segurança, abria de trás para frente) possibilitava fácil acesso ao motor e demais componentes mecânicos.
QUEDA E ASCENSÃOApesar de todas as vantagens que o Corcel oferecia, depois de algum tempo começou a se registrar um declínio acentuado em suas vendas, principalmente pelo desgaste prematuro dos pneus dianteiros e pela dificuldade de alinhamento do sistema de direção. Em julho de 1970, Joseph O’Neil assumiu a direção da Ford brasileira e determinou imediatos estudos para a correção dos problemas desse modelo, identificados pelos engenheiros da fábrica como regulagem defeituosa e complicada da suspensão dianteira. O’Neil autorizou que se trocasse gratuitamente o conjunto de peças de suspensão dianteira dos carros já vendidos. A iniciativa, que visava à recuperação da imagem do Corcel, deu resultado positivo e, a partir de 1971, o carro transformou-se novamente no maior sucesso de venda da Ford brasileira. Em julho de 1972, a empresa atingiu a marca de 1 milhão de veículos fabricados no Brasil. Desse número faziam parte também os modelos Corcel Cupê e GT (lançado em 1969 e o Ford Belina, um utilitário da linha Corcel com ampla porta traseira, lançado a 3 de março de 1970).
EVOLUÇÃO DA LINHAPor ocasião do lançamento do modelo GT (julho de 1969), a fábrica reconhecia que um dos pontos fracos do Corcel era seu desempenho, apesar da grande economia (até 12km/litro) que proporcionava. Além disso, o carro tinha peso exagerado (930 quilos) devido à carroceria e a vários componentes extra-reforçados, que refletiam a preocupação da Ford em garantir ao veículo grande durabilidade. Reformulando esses detalhes, os engenheiros adotaram soluções, anteriormente reservadas ao motor do GT, em outros modelos da linha (como válvulas e relação de compressão maiores, por exemplo.) E a mecânica do GT passou a diferenciar-se da dos demais modelos apenas pelo carburador de duplo corpo e pelo coletores especiais, fatores insuficientes para que o carro se destacasse em desempenho. Esse fato determinou a elaboração de um novo motor para o GT: o XP. Incorporado em fins de 1971, o motor XP tinha cilindrada aumentada de 1289 para 1372cm3 e potência elevada para 85cv.
Pouco tempo depois, o Ford Belina, modelo mais pesado da linha, recebeu (com carburação simples atingindo 75cv), o motor XP, antes exclusivo do GT. Logo o mesmo aconteceu com o cupê e o sedan. Assim, toda a linha do Corcel 1973 tinha o mesmo motor de 1400cm3, além da grade e dos faroletes traseiros redesenhados, recebendo a maior inovação de estilo desde o lançamento. Em 1975 todos os carros da série tiveram a frente e a traseira redesenhadas. Remodelou-se o interior, inclusive o estofamento e o painel. Simultaneamente, ampliou-se a linha: aos cupês básico e luxo, sedans básico e luxo, perua Belina e GT somaram-se um cupê e uma Belina em versão LDO (Luxuosa Decoração Opcional), que se caracterizava pelo interior requintado, combinando cores externas selecionadas com estofamento bege e marrom. Externamente, os novos Corcel LDO destacavam-se por filetes pintados em cores contrastantes na linha da cintura, e rodas tipo esporte, antes só usadas no GT.
SUBSTITUIÇÃO DO AERODepois de sua atuação decisiva na recuperação da imagem do Corcel, a direção da Ford determinou estudos para uma análise profunda da penetração de seus produtos no mercado automobilístico brasileiro.
Ainda em 1971, a Ford fabricava o Aero Willys e o Itamaraty, herdados da Willys. Esses carros, que mantinham um público quase exclusivo, haviam entrado numa fase de decadência pela desatualização tanto de suas linhas como de suas características mecânicas, ultrapassadas em relação aos outros modelos à venda no mercado.
A Ford brasileira tentou, então, encontrar um automóvel que os substituísse, e iniciou uma pesquisa de opinião pública: colocavam-se em um recinto fechado, frente aos convidados especiais, vários modelos de marcas diferentes, mas com as mesmas características técnicas, numa tentativa de estabelecer qual seria o carro ideal para aquela faixa de mercado. Um automóvel americano – o Maverick – conquistou, logo no início, a preferência dos consumidores submetidos à pesquisa.
Este carro, lançado nos Estados Unidos em 1969 e vendido por um preço relativamente baixo, com mecânica simples e de fácil manutenção, apresentava linhas inspiradas nas do Mustang. Apesar de baseado em um projeto novo, delineado por computadores eletrônicos, o Maverick não se caracterizava como um modelo revolucionário. Sua carroceria monobloco (ou autoportante) tinha estrutura idêntica à do Mustang; a maioria dos componentes mecânicos já demonstrara sua eficiência em outros carros da fábrica. A própria Ford salientava que a concepção do Maverick não se classificava como revolucionária, mas sim como evolucionária: motor, suspensão, câmbio e outros conjuntos mecânicos já haviam sido submetidos a diversas provas em milhões de quilômetros rodados pelos Mustang, Falcon e Fairlane, antes de se incorporarem ao Maverick. Para lançar o carro no Brasil, a Ford utilizou o mesmo princípio: apresentando em julho de 1973, o Maverick brasileiro utilizava peças e componentes já testados, tanto nos Estados Unidos como no Brasil. A suspensão dianteira, independente com molas helicoidais, compunha-se de peças idênticas às do Mustang e do Fairlane americanos; o eixo traseiro, rígido, assemelhava-se ao da Rural e dos pick-ups F-75 e F-100 brasileiros. Em dois anos, a engenharia experimental da Ford Brasil realizou as modificações necessárias para adaptar o Maverick às condições de trânsito das ruas e estradas brasileiras. Para o motor, a empresa tinha basicamente duas escolhas: desenvolver totalmente novo ou selecionar, entre os propulsores já existentes, aquele que melhor se adaptasse às especificações do automóvel.
Optou-se pela segunda hipótese: os engenheiros passaram a reestudar o motor de 3000 cm3 do antigo Itamaraty. Embora superado em termo de concepção, o motor 184 de seis cilindros em linha levava a vantagem de já ser suficientemente conhecido pela rede de assistência técnica da fábrica, que não precisaria de treinamento especial para o atendimento técnico aos proprietários do novo veículo. Para ajustar o motor 184 às necessidades de um carro inteiramente novo – apto a satisfazer um público consumidor cada vez mais exigente quanto à economia, resistência e durabilidade -, a Ford reprojetou-o Aperfeiçoaram-se pistões, bronzinas, mancais, sistemas de lubrificação, carburação, cabeçote e coletores de admissão e de escape. O carter de óleo tinha ventilação positiva e o filtro de ar era do tipo seco; além disso, introduziram-se modificações no desenho dos canais de refrigeração interna do bloco, que permitiram a solução de um problema que afligia os proprietários dos veículos equipados com o antigo motor 184: com refrigeração inadequada, o quinto e o sexto cilindros sofriam superaquecimento quando em regime de marcha constante, o que provocava paradas, principalmente durante viagens muito longas. Também se modificou o sistema de lubrificação, adaptado para o tipo “full-flow” (filtragem total do óleo), em lugar do superado filtro parcial do modelo anterior. Depois de apresentá-lo ao público no VIII Salão do Automóvel de 1972, a Ford lançou oficialmente o Maverick brasileiro em 20 de junho de 1973, na versão cupê de duas portas, em três diferentes tipos de acabamento: Super, Super Luxo e GT (este com motor V-8 302 de 5 litros e 197cv). Durante os primeiros meses de produção, o carro obteve êxito de vendas. Mas com o tempo, apesar de todas as vantagens técnicas que possuía (além da boa imagem inicial, grandemente reforçada por sua vitoriosa presença nas pistas de corrida), o Maverick decepcionou o público comprador. Após o primeiro ano, o mercado demonstrava cada vez menos interesse pelo automóvel, o que determinou pronunciada queda nas vendas. Até junho de 1974, fabricaram-se em média 3500 unidades por mês; porém, em setembro do mesmo ano, as vendas do Maverick não ultrapassaram as mil unidades. Três fatores fundamentais motivaram essa retração: acabamento insatisfatório, comparado aos outros principais produtos da Ford, como o Corcel e o Galaxie; decepção do público pelo pouco espaço interno, principalmente na parte traseira do habitáculo, uma vez que o carro se destinava à família média; e o motor (o 184 de seis cilindros) pouco econômico.
Em junho de 1975, a Ford começou a reconquistar lentamente o público, oferecendo um Maverick com novo acabamento interno, mais espaço e conforto, com a utilização dos bancos do Corcel. (Também para solucionar o problema de espaço, lançara-se, em novembro de 1973, o modelo quatro portas, com maior distância entre-eixos). Mas a grande novidade foi o motor, um quatro cilindros de 2300cm3. Esse novo motor do Maverick – produzido pela Ford em Taubaté para equipar os Mustang e Pinto americanos – era a última palavra em termos de propulsor de combustão interna: reunia toda a experiência adquirida pela empresa em suas fábricas nos Estados Unidos e na Europa. Com quatro cilindros em linha e comando de válvulas no cabeçote, o propulsor desenvolvia 99cv a 5400 rpm, mantendo as mesmas características do modelo europeu, embora tivesse recebido algumas modificações que o tornaram mais forte e robusto. O sistema de comando de válvulas no cabeçote, muito utilizado em motores de carros de competição, permitia o funcionamento do propulsor em rotações mais elevadas do que o obtido em motores convencionais, o que proporcionava maior potência. Esse sistema tinha algumas vantagens em relação aos motores comuns: menor número de peças móveis do sistema de válvulas; regulagem mais simples e precisa, com eliminação de folgas e ruídos entre o comando lateral do bloco, tuchos, varetas e balancins. A correia dentada, fabricada em material sintético, e que servia para acionar o comando de válvulas, dispensava quaisquer cuidados de manutenção ou regulagem, destacando-se pelo funcionamento silencioso. O segredo do desempenho e do consumo de um motor moderno está principalmente na concepção do cabeçote. Nesse ponto, o motor Ford de quatro cilindros e 2,3 litros apresentava o que havia de mais atual na indústria automobilística. Fundido em ferro, tinha os canais de admissão de um lado e os de escape do outro, o que se convencionou chamar de “cabeçote de corrente transversal” ou cross-flow. Esse detalhe, aliado à disposição das válvulas em V num ângulo de 15º, ao comando de válvulas no cabeçote e ao desenho mais elaborado das câmaras de combustão, permitia obter excelente dinâmica de gases. Na prática, isso significava melhor aproveitamento de combustível, reduzindo o consumo e a poluição ambiental, além de garantir rotação e potência. As válvulas eram por balancins apoiados em tuchos hidráulicos, que contribuíram para um funcionamento mais silencioso, além de facilitar a manutenção: graças aos tuchos hidráulicos pôde-se eliminar a regulagem das válvulas. Para aumentar a vida do motor, apoiou-se o eixo de comando das válvulas em quatro mancais em forma de pedestal, que integravam o cabeçote e tinham a função de enrijecer o conjunto, reduzindo ao mínimo o número de deflexões e vibrações do eixo. Também de ferro fundido, o bloco do motor tinha tamanho compacto, peso reduzido e grande rigidez, além de cinco mancais para o virabrequim. A Ford conseguiu implantar esses mecanismos graças à ausência dos mecanismos de acionamento das válvulas, deslocados para o cabeçote. Em 1975, a Ford Brasil S/A disputava com a GM do Brasil a posição de segunda maior fabricante de veículos no país (em primeiro estava a VW). Além de caminhões, tratores e utilitários, produzia uma ampla linha de automóveis de passei – Corcel em quatro versões, Galaxie 500 e LTD – e motores para exportação (cerca de 225 mil unidades anuais, destinadas ao Canadá, à Argentina, à Alemanha e à Inglaterra).
Carlos R. H. Rocha e Matthias Petrich
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